segunda-feira, 19 de junho de 2017

Telegrama de cartão postal

Irmão,
a fumaça abraça,
a nós, 
nascidos da fumaça.
Porém o futuro, sempre distante,
distante de onde se mora,
violento, nos arrasta pra fora.
Futuro: não é o mesmo de antes.
Digo assim que vivo com medo,
do que nem aconteceu.
Tenho pensado muito,
o controle não é mais meu.
Penso de tanto ver rua criar musgo.
Penso de tanto ver chover
e a avenida ficar escorragadia
feito gelo.
Nesta cidade não faz frio.
Barulho de vento é barulho de vazio.
Vazio de fruta que fica mofada,
de grito que some no horizonte.
Irmão,
a solidão é uma praça,
onde a gente bebe e sorri,
 até perder a graça.
Há um relógio de Igreja desligado,
para um Deus que caçoa das horas.
O tempo é uma piada que Deus não explica.
Mas Deus não explica nada. E agora?
Fugir para perto?
Ficar bem longe?
Não estar estando
é estar estranho.
Essas rochas cheias de limo.
Esse mormaço que sobe do limbo.
Tudo irrita. É o tipo de lugar que vamos
quando não estamos no nosso lar.
Lar: aprendi o que é voltando.
Esse buraco é uma carie em uma boca qualquer da terra,
gargalhando de uma piada infeliz
e quem contou fui eu.
Fui eu.
(Rhangel Ribeiro)

quarta-feira, 15 de março de 2017

NO PRIMEIRO ANDAR, NO ESCURO.

No porão sem janelas.
No deposito empoeirado de quincalharias.
Na companhia dos fungos e das aranhas marrons.
Um radio ligado na estação publica.

Toca Nick Cave,
toca Leonard Cohen,
toca Tom Waits,
toca Carlos Galhardo.

Parece que é para mim. Parece que só eu escuto esse programa.
Parece que só eu escuto a estação pública.

É madrugada.
Estou afundado.
Afundado em um colchão.
Em um colchão afundado.
Colchão mais velho que eu.

Sinto que tenho 200 anos.
Sinto que não deveria ter passado dos 15.
Mas tenho 25.

As costas doem
Não sei se por causa do colchão
ou se é só a ansiedade.
Minha ansiedade dói.
Eu não sei porque.

Deitado eternamente,
ou, pelo menos, até as costas suarem,
até o travisseiro esquentar e endurecer,
Até ter que subir no andar de cima da beliche
e observar o céu de concreto pintado de bege.

Acho que se eu pegar no sono,
quero dormir para sempre.

(Rhangel Ribeiro)

terça-feira, 14 de março de 2017

Quem erra
fica paralisado.
Paralisa-se, 
com medo de estar errado.

O medo de frustrar-me trava.
O que me move é a vontade de sair do lugar.
Então, de vez em quando, para variar, tomo coragem
e ando até o fim daquela rua.

E de pouco, em pouco, só por curiosidade,
sei que vou mais além,
paro, suspiro, observo, uma infinidade
de praças, parques e outras ruas também.
E quando eu já estiver com as pernas doendo,
quando os meus pés criarem bolhas
e toda cidade houver sido explorada.
Quando me disserem "já deu Rhangel, esse é seu limite"
sei que a coragem será maior.

A coragem sempre é maior quando não se tem escolha.
Vamos continuar com isso.

(Rhangel Ribeiro)

domingo, 20 de março de 2016

Calopsia

Vi os pequenos derrubando os gigantes
e os gigantes sendo imitados pelos pequenos.
A rebeldia das vitrines.
A vingança e a misericórdia em uma balança.

Mexi a massa até doer o braço,
mas desse bolo não ganhei pedaço.
Somos mesmo desafinados
nessa louca orquestra divina.

Primeiro se nasce e o resto é ensaio,
Mendigo tem medo de trovão.
Herói parece palavrão
e se não fosse pela música
isso tudo já havia acabado.

E a gente,
besta que só,
quando quer dormir
lida com o incomodo de acordar.

E ver aquelas caras feias nos observando das sacadas.
Eles sempre te farão acreditar que o mundo é justo.
Que se você lambe o chão que eles pisam
um dia eles lamberão o seu chão.
Mas os donos do mundo não são os donos da razão.

Um dia a buzina do trem chamado arrependimento
entrará pelos nossos ouvidos
até estourar nossos tímpanos,
perceberemos então o quanto fomos surdos.


(Rhangel Ribeiro)


domingo, 27 de dezembro de 2015

Bravus

A camareira ajeita a cama,
enquanto nobres sentam-se à mesa
e a copeira serve mais sopa,
dentro dos muros da fortaleza.

Lá maquinam o decepamento de asas,
ao som obscuro da música sacra.
E eis que é um anjo dedilhando a harpa
no interior profano daquela casa.

Os banquetes devorados aos berros,
com os mais belos talheres de prata.
Mil damas para cada farra,
entre cortinas blindadas à ferro.

Tudo que o ouro pode ter
e o ouro compra de tudo.
Se conhecimento é poder
eis a maior biblioteca do mundo.

Masmorras em construção,
guardas em todos os portões.
Medalhas aos medalhões,
vigilância e proteção.

Se aproxima um barco à vela.
O rei grita ''piratas!'' e compara tripulantes a ladrões.
O sacrifício do povo para defender a cidadela.
Em qualquer ponto do atlas, mirando seus canhões.

Moças e moços em sacrifício
ou crianças em seus porões,
morrerão jogados em hospícios
ou presos à  grilhões.

Sem títulos ou condecorações,
sem histórias sobre suas façanhas.
Não irão escrever canções
sobre cada batalha ganha.

Os que estenderam a mão aos famintos,
no império construído sobre a fome,
não terão bosques com seus nomes,
nem festas regadas à tinto.

São jovens em suas garagens.
Prisioneiros no calabouço.
Os esmagados por engrenagens,
os que salvam o dia na pausa para o almoço.

(Rhangel Ribeiro)



terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Contracorrente

O logotipo da indústria mudou.
Mas não a diretoria.
Aumenta o Ibope, o lucro, a freguesia,
só porque o muro trocou de cor. 
Não adianta buscar respostas 
ou deixar para dormir mais tarde. 
O mundo tem pessoas que sabem mentir
melhor do que você sabe contar a verdade.  

E repetem: aceite, aceite, aceite.
Todos acham que sabem de tudo.
Odeiam porque a moda é odiar.
Amam porque  moda é amar.
Seu  recado está embaixo da tinta daquele muro. 

Você se desespera,
você não entende.  
Em toda guerra 
o bom senso é contracorrente.

Você não vai voltar para casa. 
Sapatos estão espalhados pela estrada. 
Cartas são jogadas fora. 
Sem CEP, sem destino, sem selo.  
Em uma noite gelada, 
você corre pela calçada 
para abraçar um cubo de gelo
e ver se ele está frio. 

Parece o fim, 
mas você descobre que ainda está vivo.

(Rhangel Ribeiro)